quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Um "neoencontro" com a Praça Seca

Para que o leitor se familiarize com o ambiente que descrevo, a Praça Seca é comumente descrita como um sub-bairro de Jacarepaguá, este sim um bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro, mas que por suas dimensões distritais necessitava que se fossem descritas também suas sub-regiões. A Praça Seca não oferece muito atrativo ao turista, àquele que a fim de conhecer o Rio e seu povo está em busca de diversidade, lazer, belas paisagens. Poderia dizer que o nosso querido sub-bairro não tem muito a oferecer em nenhuma das áreas, mas a razão de merecer um artigo neste blog é o afeto com o qual tenho, assim como todos aqueles que como eu aqui nasceram e foram criados.
Adquire-se muito provincianismo ao morar em Jacarepaguá. Em geral, o mais longe que se vai é a Barra da Tijuca, e a carência de vivência nos espaços públicos não deixa muita alternativa à cultura de massa, boates e cinemas cujos filmes parecem escolhidos a dedos para nos manter alienados do que acontece no resto do mundo.
Como o nobre leitor deve ter percebido, eu, no entanto, nunca saí daqui. E, no entanto, gostaria de lhe falar sobre um reencontro que hoje tive com o bairro que nunca abandonei. Estaria equivocado, todavia, pois um encontro com algo que já foi nunca seria uma repetição, mas o passado reinventado, a prova maior do quão leviana é a nostalgia, e por isso então este seria um neoencontro, e não um reencontro.
Uma simples saída para comprar pão foi o suficiente. Há muito tempo que a Praça Seca não significa muito mais que isso para mim: um local onde se dorme, vai ao mercado, onde se faz coisas do cotidiano; as coisas mais significativas da vida tem estado mais distantes. Mas hoje encontrei Thiaguinho, antigo morador do Condomínio Residencial Florianópolis, que há muito tempo se mudou, assim como Daniel, Rodrigo, Mateus, Renato, assim como o futebol, que já não é mais na quadra, abandonada, coitada. Thiaguinho deve ser uns cinco anos mais novo que eu, o que na adolescência pode ser uma distância maior e ele na época parecia apenas um garoto confuso.
Mas eu estava distraído com meus pensamentos quando ele veio me cumprimentar efusivamente, com seu mesmo jeito apressado de falar. Demonstrou nostalgia similar a minha, e eu até então me mantinha um bocado lacônico. Perguntou o que eu estava fazendo da vida e eu respondi que se tratava de um mestrado em Ciências Sociais, já pronto para explicar do que se tratava (em geral isto é necessário), mas fui surpreendido ao ouvir que Thiaguinho gostava muito de "Sociologia... Antropologia e até História". "É mesmo? E por que você não faz?". "Não dá dinheiro", respondeu ele, e eu não poderia discordar. Mas para meu espanto ainda maior, ele argumentou que faculdade não deveria ser para ganhar dinheiro, como aparece nos anúncios da Estácio de Sá, segundo ele, com a mensagem "Compre seu diploma". Nada disso. Para ele faculdade é como um clube, trocamos conhecimento com outras pessoas, deveria ser para o crescimento pessoal.
Também me mostrou uma moeda que tinha com o rosto de Tiradentes, mudado para se assemelhar a Jesus Cristo. "O governo sempre manipulou as massas", disse. Parece que fora da Praça Seca ainda conseguimos fazer algumas descobertas, e isso sem dúvida é uma verdade para Thiaguinho. Ainda bem jovem, já foi casado e se separou. Mora sozinho em Nova Iguaçu e trabalha como frentista em um posto de gasolina. Um caminho um bocado diferente do meu, mas que o levou a impressões semelhantes às minhas. Sua confusão não deve ter acabado, mas sem dúvida o está ajudando a trilhar algum caminho, como eu espero também conseguir. E a cada conversa assim se animam minhas esperanças.

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